Temas Técnicos

Como preservar a osseointegração para sempre?

Como preservar a osseointegração para sempre?

Esta é uma questão bem discutida entre os implantodontistas, afinal como preservar preservar a osseointegração para sempre?

Leia também: ENTENDENDO A SAUCERIZAÇÃO ÓSSEA

Do ponto de vista prático, os cirurgiões dentistas vivem muito mais preocupados com a estabilidade primária e com os aspectos mecânicos da osseointegração do que com os eventos que acontecem depois, no curto, médio e longo prazo. Isto não está errado, mas pensar só em biomecânica e deixar no esquecimento os eventos biológicos, pode ser um erro que irá afetar as taxas de sucesso clinico e sobrevivência dos implantes.

Estabilidade primária, passividade e adequada distribuição de forças mastigatórias são importantes para garantir a sobrevivência do implante, principalmente no curto prazo. Nos primeiros oito meses, o osso vai passar por vários estágios de maturidade. Logo após a cirurgia, o tecido ósseo está lesado e tomado por eventos químicos e físicos de reparação e formação de tecido novo. O implante primeiramente está imobilizado pelo tecido ósseo que já existia e de modo gradual um novo osso passa a ter contato com a superfície do parafuso estabelecendo o que conhecemos por osseointegração: um íntimo contato do tecido ósseo com o implante.

Oito meses após o carregamento do implante, segundo Sennerby 2000, este osso que se formou juntamente com o osso que se manteve estarão completamente maduros, com grande densidade e um sistema lamelar de dissipação das cargas. Em resumo, se o implante não foi perdido até oito meses após o carregamento, não é a carga que irá derrubá-lo daqui para frente.

Se não há perda de implante por sobrecarga após oito meses, o que faz um implante falhar quando este período já se completou? 

A maior causa de perda da osseointegração em médio e longo prazo é a doença periimplantar. O implante após oito meses já tem inserção óssea e estabilidade mecânica suficiente para fazer frente a carga mastigatória, entretanto, a estabilidade biológica pode não ser suficiente, desencadeando inflamação dos tecidos moles periimplantares e em consequência a perda óssea, que pode progredir até a perda da ancoragem ocasionando o triste cenário de insucesso do tratamento.

O objetivo deste texto é ajudar a entender os processos biológicos periimplantares para que desde o primeiro momento do tratamento, no planejamento e na cirurgia, até nas consultas de manutenção, o cirurgião dentista consiga manter a integridade dos tecidos periimplantares, do ponto de vista biológico e o tratamento possa ter uma estabilidade secundária estável, afinal, é possível manter um implante em função por décadas, como já demonstrado em Brånemark 1983 e Franson 2005.

Do ponto de vista biológico, as agressões que acontecem nos tecidos periodontais e periimplantares são causadas por micro-organismos que residem na cavidade bucal e se aderem na superfície lisa da prótese. Em resposta a estes agressores existe uma especialização do tecido periodontal, que é mais fibroso, denso, aderido, queratinizado e capaz combater agressores inclusive com a ativação do sistema imunológico. Apesar de ser um grande guerreiro, o tecido periodontal não é soberano, é preciso ter um bom controle da higienização, por parte do paciente, para que se mantenha a integridade e a saúde periodontal, assim o tecido ósseo protegido por ele vai poder realizar a sua função estrutural por todo tempo de vida do indivíduo.

Na implantodontia não é diferente. Os tecidos moles periimplantares também possuem mecanismos de defesa, sendo diferentes somente em relação a estabilidade por não haver inserção conjuntiva diretamente nos componentes protéticos e coroas protéticas. A estabilidade é dada por fibras que circundam estes componentes transmucosos. Durante a cirurgia, procure sempre incisar os tecidos de forma que você divida o tecido queratinizado para que, ao cicatrizar, todo o perímetro do componente esteja com tecido queratinizado. Este é o primeiro passo para o sucesso de longo prazo. A falta de tecido queratinizado periimplantar não condena a saúde da região, mas tecido com queratina ao redor da coroa protética será bem mais robusto e forte mediante as agressões físicas e biológicas. Mas não termina por aqui!

Entenda o que é saucerização: 

O tratamento não termina quando a prótese final é instalada. Depois que o implante está osseintegrado e o osso já está maduro, os tecidos ao redor do implante são vivos e dinâmicos, respondendo a diferentes situações durante a vida do paciente. Existe uma remodelação óssea ao redor da mesa do implante que é um evento importante de ser estudado.

Conhecida também pelo termo saucerização, a remodelação ou perda óssea marginal foi primeiramente descrita por Brånemark em 1961 e é caracterizada por uma reabsorção óssea em forma de círculo (saucer: pires em inglês) ao redor de todo o perímetro da mesa do implante. Primeiramente descrita em implantes hexágono externo, foi empiricamente designada por Albrektsson em 1986 por uma perda óssea progressiva. Brånemark 1961 – Perda óssea marginal.

A perda óssea não é progressiva:

Em 2005 foi publicado por Fransson um impressionante trabalho de acompanhamento de 10 anos em que 662 pacientes com próteses sobre implantes foram avaliados radiograficamente e o índice de perda óssea progressiva foi de apenas 28%, ou seja, 72% dos pacientes, após dez anos, apresentaram a reabsorção óssea marginal exatamente como ela acontece no primeiro ano, apenas 1,5mm ao redor da mesa do implante. Só apresentaram maior perda óssea, pacientes que tinham condições de higiene ruim e doença periimplantar instalada.

Por que acontece esta remodelação óssea?

Muitas teorias já tentaram explicar a causa da remodelação. A primeira delas é biomecânica. Em estudo de análise foto-elástica publicado em 2000 por Ivanoff é possível entender que os implantes cilíndricos hexágono externo apresentam uma dissipação de carga maior na área peri-cervical do implante, ao redor da mesa do mesmo e também no ápice. Por este motivo, por muitos anos acreditou-se que esse padrão de estresse gerava a remodelação óssea por excesso de carga.

A segunda teoria é biológica. Vários sistemas de implante permitem transito de bactérias para dentro e para fora da câmara interna do implante segundo Gross 1999. A presença destes micro-organismos e seus compostos tóxicos são lesivos aos tecidos e podem causar a remodelação óssea pela inflamação da região. Implantes hexágono externo, segundo Binon 1996, apresentam uma desadaptação maior ainda, necessária para que haja assentamento entre as partes que se acoplam e são paralelas.

A teoria mecânica talvez não explique totalmente o fenômeno, pois há evidências de implantes que não foram carregados, mas apresentaram remodelação. Em estudo feito por Bruyin em 2001 avaliou no mesmo paciente implantes sepultados, implantes carregados imediatamente e implantes com cicatrizador, expostos na boca, mas sem carga e comprovou a remodelação óssea cervical ao redor dos implantes não carregados.


Bruyin em 2001.

Outra evidência que refuta tanto a teoria mecânica quanto a biológica é a consagração da plataforma invertida (em inglês: platform switch). É consenso na literatura mundial que componentes com diâmetro menor que a plataforma do implante preservam osso marginal, como demonstrado por Lazzara em 2006.


Lazzara 2006.

Uma terceira e mais recente hipótese para a remodelação óssea marginal é a formação de distâncias biológicas nos componentes. A migração do epitélio forma um sulco ao redor das coroas implanto suportadas. Este epitélio, para manter suas atividades mitóticas produz constantemente fator de crescimento epitelial (em inglês: Epidermal growth fator – EGF). Segundo Consolaro 2009, o fator de crescimento epitelial tem uma ação no tecido ósseo, ativando a atividade de osteoclastos e mantendo a distância. Isto explica não haver osso em contato com epitélio, em nenhuma região do corpo humano.

Com remodelação ou sem remodelação, implantes estão em função há décadas e as taxas de sucesso são impressionantes. Em áreas estéticas, mesmo havendo remodelação em modelos de hexágono externo, há a preservação da arquitetura gengival, principalmente em unitários, porque as papilas estão aderidas nos dentes adjacentes, como descrito por Kan em 2003, na época em que eram mais prevalentes os implantes de hexágono externo.

Atualmente, tanto no mercado nacional quanto mundial, os implantes cone morse são uma realidade e a tendência é que não se fabrique mais hexágono externo. Isto não quer dizer que os resultados estéticos vão melhorar. Sempre, melhores resultados serão obtidos com treinamento dos profissionais. Atuar na implantodontia na área estética demanda conhecer as técnicas de preservação do formato do alvéolo, que sempre associam enxertos de tecido conjuntivo e as vezes tecido ósseo. Técnicas de cirurgia na área estética seguem alguns princípios fundamentais: o mais importante deles, para casos de extração e implante imediato: é proibido incisar as papilas. Elas não têm volume suficiente para serem divididas ao meio, trazendo um dano irreparável, com a perda de volume do tecido. Conseguir obter resultados previsíveis como o ilustrado abaixo, demanda conhecer estes princípios e também saber realizar um perfil de emergência adequado da prótese.


Caso particular Dr. Heitor Cosenza.

Este é um assunto que tenho pesquisado, treinado e falado muito pois os casos mais complicados na área estética são os que envolvem perda das papilas e na grande maioria dos casos, isso acontece por técnica cirúrgica inadequada. Resumindo, depois de tentar fazer a cirurgia sem estar preparado, o profissional acaba ficando em uma situação difícil com o paciente e tenta recorrer a um profissional que se preparou mais. Infelizmente, não há muito o que fazer porque papilas são estruturas que podem ser mantidas, mas não podem ser criadas.

O tema deste manuscrito é osseointegração a longo prazo e os eventos que acontecem na região peri-cervical. Outras postagens sobre estética e manejo de tecidos moles serão escritas em breve.

É possível preservar a osseointegração para sempre, mas como fazê-lo?

Como já citado, o osso ao redor do implante irá amadurecer e após oito meses de carregamento, falhas mecânicas dificilmente irão acontecer. Falhas de longo prazo só acontecem ou por fadiga dos materiais ou por presença de biofilme, que irá causar periimplantite e perda óssea. Implante de marca boa é feito com matéria prima boa, simples assim, e não entra em fadiga, ou seja, não quebra. Quanto a presença de biofilme, a solução é simples, mas envolve uma cultura de boa higienização e zelo por parte do paciente. A regra é fio dental e escova todos os dias e isto não é nada novo. O cirurgião dentista deve ter como hábito passar essa cultura de higiene e motivar sempre o paciente a manter seu trabalho protético implanto-suportado.

Uma forma muito eficiente de manter o paciente motivado e pegar os problemas no início e organizar um programa de manutenção em que o paciente é chamado no consultório periodicamente para revisão e orientação. Não é fácil conseguir essa colaboração, mas uma vez que o paciente higieniza bem e visita periodicamente o dentista, os tratamentos tem sua durabilidade aumentada em muitas vezes.

O tratamento não consiste somente nas questões técnicas dos procedimentos, mas sim no extermínio das causas do problema inicial e no controle preventivo dos problemas futuros. Assim como carros, os tratamentos odontológicos não são para sempre e precisam de revisão. Fazer o paciente entender isso é o nosso dever e assim a osseointegração pode ser preservada para sempre, se a cultura de higienização e revisões permanentes for uma realidade para o paciente.

Outras publicações